21/03/2020
Contos

CONFINAMENTO

Decidi levar a sério a história da quarentena. Se bem que, talvez quarentena não seja o nome ideal para isso, já que não estou contaminado e nem tenho suspeita de portar o tal vírus. Penso que o nome ideal poderia ser con-fi-na-men-to. Estou confinado em meu próprio lar e, enquanto limpo detalhadamente o ventilador empoeirado, recebo uma mensagem de um grande amigo.

– Tô passando aí com uma garrafa de Jack – escreveu ele, inserindo vários emoticons após a frase.

– Não venha! – foi a minha resposta.

Estava desmontando pela segunda vez o tal ventilador, recém-limpo e recém-montado, após perceber que esquecera de colocar outra peça por dentro, quando o interfone interrompe o sossego de minha clausura.

– Sim.

– O Fulano está aqui, posso deixar subir?

– Deixa eu falar com ele pelo interfone, por favor.

– E aí? – ouço do outro lado.

– Falei para você não vir – respondi, amavelmente.

– Trouxe o Jack – disse-me ele, tal qual Satanás induzindo nosso Senhor a se jogar do pináculo do templo.

Pensei por um momento e disse: – Tá. Vai ali, na frente de minha varanda. Quero ver se você trouxe mesmo a bebida.

Desliguei o interfone, fui ao meu quarto e peguei a capa do violão embaixo da cama. Abri, retirei a carabina de pressão e a caixa de chumbos. Coloquei alguns no bolso da bermuda e me dirigi a varanda.

– Ei! Você não vai atirar com essa merda, vai? – ouvi, lá de baixo, enquanto mirava na garrafa, que ele segurava à mostra em frente ao peito.

Eu estava no segundo andar e a posição de tiro era simplesmente perfeita, porém sempre fui ruim de mira e achei que provavelmente iria errar. Pois qual não foi minha surpresa ao escutar o som metálico do chumbo, ricocheteando no Jack Daniels, seguido da voz de Fulano, praguejando alto enquanto corria para fora de meu campo de visão.

Recarreguei a arma e aguardei. Lembre-me então que, provavelmente, o carro dele estaria estacionado atrás do bloco e corri para a janela da cozinha. Lá estava ele, se afastando rápido.

Voltei a varanda e descarreguei a carabina na bananeira, bem em frente, não sem antes passar pela dispensa e verificar que ainda havia duas garrafas de 375 ml de Jack cheias, e uma com quase metade, que eu pagara uma bagatela no Super Adega.

Arrumei a bagunça e ouvi o toque de uma nova mensagem no whatsapp: – É bom que o coronavírus te mate, seu filhodaputa, porque se não matar, eu farei o serviço – era a mensagem que vinha, abaixo da foto dele, bebendo uísque no gargalo.

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